Você olha para sua estante e vê aquele livro. Aquele livro! Você o ama. Só de passar andando por ele você sorri, orgulhoso por ele fazer parte da sua biblioteca particular. Você sabe o quanto suou para consegui-lo, pois é uma edição rara e custou muitos dinheiros. Por mais que você compre livros e mais livros, ele sempre está lá, em destaque. Ele está lá, forte, imponente, já há 10 anos. O único detalhe é que você não sabe se a história é boa ou ruim, pois você nunca leu.
Este texto não é inspirado no depoimento de alguém, mas ao mesmo tempo é um fato comum sobre muitos amantes de leitura.
Tá… na real, é um fato sobre mim. Lá vai. Há alguns anos, ganhei um vale presente bem polpudo de uma livraria no amigo secreto da firma (chamar empresa de firma é sensacional). Juntei o vale com alguma grana e saí de casa certo do que iria fazer: comprar uma edição super chiquetoza de Ulisses, de James Joyce. WOW!
Eu sabia mais ou menos do que se tratava o livro, pois um amigo havia me falado sobre ele e havia me convencido de que aquele era um livro sensacional para ler, afinal, era um clássico! Levei o livro para casa, certo de que havia feito a melhor escolha. Nem as oitocentas e tantas páginas dele me assustaram, porque o que importava é que agora eu tinha um clássico. (burrão…)
Ele ficou lindo na minha estante. E ficou lá, para sempre.
Confesso que tentei ler. Cheguei até a página trinta e tantos, mas logo desanimei, pois era uma leitura que para mim, na época, era muito rebuscada. O prazer de possuir aquela edição aos poucos foi dando espaço para uma espécie de sentimento de culpa. E esse sentimento cresceu até que acabei me desfazendo do livro.
Essa experiência fez eu entender que havia me equivocado e me fez pensar sobre quando o prazer de ter sobrepõe o verdadeiro propósito de algo.
É óbvio que como leitor, um dos meus sonhos é ter uma bela biblioteca em casa. Na minha infância, dividi leitura com desenhos animados e uma cena me marcou profundamente foi a cena da biblioteca em A Bela e a Fera. Caraca, era um sonho! Eu ficava me imaginando ali, lendo, lendo, lendo e lendo! Feliz! Retardado!

A lição que James Joyce me ensinou sem eu ter lido sequer um livro dele, fez eu cair na real em relação ao sonho sobre a biblioteca do desenho. Se eu não consegui ler Ulisses, quanto mais ler tudo aquilo que estava ali naquela imensidão!
Hoje entendo que uma biblioteca pessoal é feita de escolhas, não de impulsos e promoções. Livros são parte da nossa vida, do nosso caráter, do nosso estilo de ser e viver. Não deveria de modo algum ser algo para simplesmente nos fazer parecer alguém que não somos. Eu comprei Ulisses para parecer cult, ou inteligente ou sei lá o que. No final, só me senti mais burro.
Ler 1984 ou toda a bibliografia de Dostoievski ou um dito clássico não vai te fazer melhor do que ninguém criatura, mas vai te ajudar a ser uma pessoa melhor e entender um pouco do que acontece com as pessoas e o mundo ao seu redor. Assim como uma viagem tem o poder de transformar toda sua forma de enxergar o mundo (seja para dentro ou fora do seu país), um livro tem o poder de agir da mesma forma. Assim como uma música pode evocar lembranças, fazer você sorrir ou chorar, o livro pode arrancar de você essas mesmas emoções fácil fácil.
Aliás, uma das melhores situações que você pode se deparar enquanto lê é a seguinte: você lê algo como “então ele olhou para trás demoradamente, sentiu o vento batendo em seu rosto, fechou os olhos e sorriu“, e ao terminar de ler a frase, você se pega de olhos fechados e sorrindo. Sim, esse é o tipo de coisa que faz um livro valer a pena! Esse é o propósito, identidade!
Um livro pode fazer você parecer um ser estranho que sorri dentro de um vagão de metrô lotado. Sua mãe pode ficar preocupada ao ver você do nada soltar o livro no chão, com os olhos arregalados e as mãos na frente da boca gritando todo eufórico “que animaaaaaalll!!!”
Sim, eu creio – e creio porque já experimentei – que leitura é algo relacionado profundamente às nossas emoções. E isso é bom. E por isso deve ter um valor além de simplesmente ter.
Agora sim, esse texto é inspirado no depoimento de alguém. E aí, alguns desses fatos são comuns para você ou tudo isso foi uma viagem nada a ver?
O que você pensa? Por que você lê? O que você procura?
😉
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